sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Projeto (des) Acumuladores – Parte 01




Recebendo uma grande notícia!

Faz alguns dias um grande amigo que mora em outro estado comentou que como está de férias gostaria muito de vir nos visitar. Ele é amigo meu e do meu irmão mais velho há muitos anos, e embora nosso contato até agora tenha sido somente à distância, ele tem estado conosco através dos momentos mais difíceis da nossa vida: perda de nossa mãe, problemas de saúde dela e nossos, problemas de drogas do nosso irmão mais novo, dificuldades financeiras extremas onde ele chegou mesmo a nos sustentar por um período bastante longo (detalhe:  não é rico, a não ser em bons sentimentos e intenções). Somos amigos pela grande afinidade de personalidades, gostos e caráter também; ele sempre foi um irmão de alma. Mas então, ele disse que gostaria de vir nos visitar/conhecer pessoalmente, “se der” (isto é, se concordássemos).  Disse também que poderia ficar em algum hotel na cidade, mas que gostaria muito de nos ver. Eu disse que é claro que ele poderia vir e ficar com a gente, que o resto nós damos um jeito!

Maravilha, pura felicidade com essa notícia fantástica! Sempre quisemos conhecê-lo pessoalmente e agora teríamos essa chance! :D Só alegria, a não ser por um pequeno detalhe: a nossa casa...    -___-‘



O começo de tudo, influências passadas: casa de 4 acumuladores

Bom, nossa casa tem um problema de acumulação. Pra quem não conhece, separei um artigo aqui, e também um vídeo que mostra alguns casos extremos (o caso do meu irmão mais novo é como o da senhora que aparece aos 9 minutos do vídeo. Ele chegaria nesse ponto se ninguém controlasse). Basicamente é um distúrbio que tem raízes muitas vezes na infância, costuma afetar diversos membros de uma mesma família (muitos dizem que é genético, eu já penso que tem a ver com a maneira como somos criados e com as crenças limitantes que vamos aprendendo a desenvolver) e é muito, mas muuuuito difícil de superar mesmo (como todo vício ou comportamento obsessivo, aliás). Muitas famílias passam anos nessa situação antes de conseguir superá-la, isso quando superam.

No nosso caso, essa tendência começou com minha mãe. Como ela foi muito muito pobre no começo da vida até os 30 ou 40 anos, guardava o que podia e evitava desperdiçar, embora fizesse o possível pra manter a casa sempre limpa e em ordem. Mas ainda assim tinha muita dificuldade em jogar coisas fora, especialmente se ainda funcionassem ou pudessem ser aproveitadas no futuro (pregos, parafusos, fios e arames de todos os tipos, potes plásticos, clipes, papéis de embrulho, recortes de jornal, receitas).

Ela também tinha muita pena de usar alguns itens novos, assim muitos deles (utensílios, roupas, sapatos) eram guardados para momentos especiais que terminavam nunca chegando..
Falando em receitas, mâmi costumava colecionar receitas que ela recortava de embalagens de produtos. Mas por ter 3 filhos, ela guardava sempre 3 receitas de cada, 3 livros iguais e assim por diante, pois quando cada filho casasse já teria sua própria coleção de receitas. 20 anos depois nenhum de nós casou e quase todas essas receitas já foram para o lixo..

Esse “podemos precisar no futuro” foi criando raízes profundas nas nossas mentes... Eu também acumulava muito (papéis especialmente, receitas, desenhos, revistas com dicas pra perder peso, roupas que eu esperava usar quando emagrecesse, revistas de videogame e computação, etc), e de tempos em tempos arrumava coragem e me livrava de muitas coisas, doando ou jogando fora. Dava uma grande sensação de liberdade, embora às vezes me arrependesse de ter descartado um ou outro item, mas nada de que realmente sinta falta hoje em dia.



Vivendo com um acumulador extremo em casa

O problema maior mesmo foi quando meu irmão mais novo começou a acumular, já na adolescência. No começo foram pequenos itens, algumas peças de bicicleta, ioiôs, adesivos, fios elétricos.. Ele ficava extremamente agressivo se tentássemos organizar qualquer coisa, e ameaçava jogar fora todas as nossas coisas úteis, como roupas e objetos de uso pessoal. Aos poucos foi tomando proporções ridículas, e invadindo outros cômodos da casa. Lembro que uma vez ele apareceu com um grande papagaio de cerâmica (com pelo menos uns 70cm de comprimento) com rabo quebrado, abraçado a ele e rindo como se fosse um grande tesouro.. Minha mãe, por causa do problema de drogas desse filho, e das grandes discussões que isso gerava na família, se tornou super protetora especialmente em relação a ele, e nos desestimulava a interferir em qualquer assunto que limitasse a “liberdade” dele, pois pra ela isso parecia perseguição de nossa parte, quando na verdade estávamos apenas procurando nos defender e viver uma vida mais normal..

Depois que a mãe faleceu, eu e meu irmão mais velho entramos numa grande depressão e evitamos organizar por muito tempo. Eu consegui aos poucos doar quase todas as roupas e pertences dela, assim como muitos utensílios e livros.

Já tivemos problema de cupins (cupim de solo, o pior que tem) por causa da acumulação e agora são baratas. Muitas vezes escondi grandes quantidades de coisas na esperança  que ele se esquecesse delas, e após algum tempo eu jogava fora.


Coleção de guarda-chuvas quebrados (depois achei mais)


Detalhe do estado de um guarda-chuva


Puff mofado, e móvel bonitinho mas que não abre a gaveta e porta (os móveis da sala, ao fundo, ficam tapados com cobertores por causa da pouca higiene dele)

Aqui o móvel e o puff, enquanto ainda estavam
soterrados por outras coisas


Panelas velhas escondidas (já fez isso outras vezes, eu joguei as outras fora mas mais apareceram)


Coleção de garrafas vazias, escondidas dentro de uma sacola, embaixo de um entulho de sacolas, roupas, sapatos e outras coisas









Hoje em dia...

Já faz mais de 2 anos que ele não mora mais conosco “oficialmente”, apenas aparece ocasionalmente pra dormir, e uma ou outra vez durante a semana pra buscar ou trazer algo. E ainda assim o lixo continua aparecendo... Mês passado fui fazer uma limpeza e encontrei embaixo da cama do meu irmão mais velho, um saco de lixo de 100l cheio de pedaços velhos de um piso de madeira.. Isso provavelmente foi colocado lá no meio da noite, quando estávamos dormindo.. Ele já tomou conta da sala (ocupou todo o canto perto da janela, a estante e também a mesa de jantar),  e de outras partes da casa onde muitas vezes encontramos mais lixo escondido (panelas velhas embaixo da mesa da cozinha, atrás de sofás, dentro de gavetas, em cima da geladeira, em cima dos 2 roupeiros, ...). Tem sido bastante difícil ao longo dos anos. Quando resolvo atacar uma parte, jogar tudo fora e consigo limpar, já tem outra parte da casa bem pior, e isso vai desanimando, drenando as forças, dá vontade de abandonar tudo e sair correndo. Lembro que nossa mãe muitas vezes também perdia as energias e dizia que precisávamos de um incêndio pra começar tudo do zero. Não digo isso, mas que dá vontade de fugir, isso dá. Temos muita vergonha de trazer amigos em casa, e faz anos que ninguém visita. Vergonha também quando algum prestador de serviços precisa entrar, ou mesmo o pessoal da instituição que vem buscar as coisas que ainda podem ser aproveitadas e que doamos.

Mas enfim, a gota d’água realmente veio quando esse nosso amigo querido demonstrou vontade de passar uns dias com a gente. Como poderíamos dizer não? Jamais.

Como ultimamente nosso irmão ficou menos agressivo, e quando pergunta de alguma coisa eu digo que não sei, não vi, e ele se contenta, então chegou o momento de dar um basta nisso e fazer o depósito de lixo ter cara de lar novamente.

Tive a idéia de escrever este post enquanto lia a históriade uma filha de acumuladores com problemas ainda mais graves que os que vivo atualmente. Lendo o post dela, e também outros posts e matérias enquanto pesquisava, percebi que essa divulgação pode ajudar outras pessoas que vivem situações parecidas, porque isso dá um foco nesse problema que muitas vezes achamos que é normal, ou então sabemos não ser, mas tentamos ignorar por falta de força de encará-lo, e assim vamos vivendo como dá.

Sei que é útil ter esse tipo de material em casa, mas esta é uma entre muitas sacolas com mesmo conteúdo, fora as caixas de ferramentas que tem mais ainda

Mais itens aleatórios...


Mas viver “como dá” não é viver, é existir.. E chega um momento que precisamos lidar com isso de alguma maneira. E pra mim esse momento é agora, final de dezembro de 2017.

Antes de ter a idéia de documentar essas mudanças no blog, eu já havia jogado fora uns 2 sacos grandes (100 litros) com lixo, e também não estou tirando foto de tudo, apenas de algumas coisas que chamaram minha atenção, então pode parecer pouco o que aparece nas fotos. Pouco se levarmos em conta casos ainda mais extremos de acumulação, mas quem vive o problema sabe que qualquer quantidade de lixo indesejável dentro de casa escraviza, ainda mais se essa acumulação é de parte de um familiar.
Bem, assim começou nossa aventura de volta à sanidade...


Dia 1, dois sacos (de 100 litros) de lixo e mais outras coisas que não aparecem na foto


Sacola e garrafas pet vazias escondidas (também tinha algumas com óleo usado dentro, que não fotografei)


Canto da sala com lixos escondidos, e mais lixo sobre o sofá à direita da foto, que não aparece bem aqui (a sala costumava ser o “quarto” dele, enquanto que até hoje eu e meu irmão mais velho passamos mais tempo nos quartos ou cozinha, já que a sala deixou de ser um espaço de convivência há tempos). Tudo precisa de limpeza aqui, e me sinto uma péssima "mãe" por não ter conseguido mudar essa situação ainda e meus gatos também viverem em um ambiente assim







Bom, ao menos ele se protege...
(Sim, isso tudo são camisinhas. Mas metade delas
estava vencida e foi pro lixo)



Muitas dessas fotos foram tiradas com flash pois como trabalho fora o dia inteiro, o tempo que sobra pra organizar é muito cedo de manhã, ou então depois que volto, já no fim do dia.

Bem, mais no próximo post!
Se algum de vocês tem ou teve esse problema, comente por favor falando um pouco de sua experiência, se já conseguiu se libertar da bagunça, o que fez para isso, se a acumulação é de sua parte ou de outra pessoa em sua vida, e que efeitos você notou que isso gera em sua vida ou na de outras pessoas.

(Parte 2 aqui.)